
(Da série: críticas pouco sérias)
Há momentos na vida para se ver "Simplesmente Feliz" (Happy-Go-Lucky, Inglaterra, 2008), o novo filme do diretor britânico Mike Leigh conhecido por, nas palavras do NY Times, suas
representações de dramas inerentes à vida quotidiana de pessoas comuns.
Simplesmente feliz é exatamente isso: a narração dos altos e baixos (e médios, sobretudo dos médios) do dia-a-dia de uma pessoa que poderia ser eu, ou você. No caso, o recorte de alguns meses na vida de Pauline (Sally Hawkins) -ou Poppy, como ela gosta de ser chamada, uma professora primária de 30 anos que divide seu tempo livre entre conversas com as amigas, aulas de Flamenco ou trampolim e passeios de bicicleta pela cidade. Isso até o momento em que a bicicleta é roubada e os passeios se tornam aulas de auto-escola com o mal-humorado Scott (Eddie Marsan).
O mau-humor de Scott (e também de outros personagens menores) realça a atitude positiva de Poopy diante da vida, e é aí que se corre o risco de ser confundido pelo título do filme. Pauline é muito mais que uma Pollyana brincando, simplesmente feliz, do jogo do contente. Na verdade, Poopy, além de não se deixar afetar demasiadamente pelos contra-tempos da vida ("E a gente nem teve tempo de se despedir", é seu único comentário ao descobrir que a bicicleta foi roubada) sabe jogar com eles e revertê-los a seu favor, usando doses de sarcasmo e ironia que, embora quase imperceptíveis, corariam mesmo a Pollyana já moça.
E é com essa ironia diluida homeopaticamente em largas doses de bom-humor que Poopy vai enfrentando a vida e afetando os que a cercam, das amigas, aos alunos, ao Scott (cujo bordão "Enraha" - usado para simbolizar a função dos espelhos retrovisores - "eye of Ra" - é um dos pontos cômicos do longa).
Um ótimo filme com várias possibilidades de leitura. Diversão e reflexão garantidas desde que a regra básica de
timing mencionada no primeiro parágrafo seja respeitada. Aliás, mais que momentos na vida, há estados de espírito necessários para se ver "Simplesmente Feliz". Em um mau momento, depois de levar bronca do chefe, brigar com a namorada ou ir mal naquela entrevista importante, é ele, seu estado de espírito, que determinará se Poopy é apenas uma chata "simplesmente irritante" ou uma professora excelente de uma das muitas mensagens do filme - a de que é preciso aprender a rir de si mesmo.