23 setembro, 2009

Flores


Amanheci angustiado. Infeliz comigo, como há muito não me sentia e pior, sem entender direito o motivo. Decidi, então, correr. Beirava as seis da manhã e a padaria ao lado de casa já abria as suas portas, mas a impressão era de um dia que ainda não era dia.

Hoje não pus música para tocar, mas um audiobook do Haruki Murakami, um japonês que eu conheci através de uma reportagem da Folha de São Paulo há alguns meses. "Escritor e maratonista" é a descrição curta mais encontrada para ele. Ainda mais agora, depois do seu último livro: "What I talk about when I talk about running", que estou ouvindo.

Minhas pernas doem. Domingo corri 10km. Ontem 5km. Hoje não deveria correr, mas essa angústia precisava sair de alguma maneira, e eu achei que o suor podia ajudar. Sempre ajuda, ou ao menos tem me ajudado nos últimos tempos, desde que comecei a correr, há cerca de seis meses.

O livro do Murakami parece explicar o que estou vivendo. Na parte que ouvi hoje ele fala dos sentimentos de quando começou a correr. Ele tinha 33 anos, mais ou menos minha idade atual. Era o início da década de 80 e é estranho ver como um japonês, há quase trinta anos, já traçou um caminho que eu chamo de meu...

"...not long after that I also gave up smoking. Giving up smoking was kind of natural result of running every day. It wasn't easy to quit but I couldn't very well keep on smoking and continuing running. This natural desire to run even more became a powerful motivation for me not to go back to smoking and a great help in overcoming the withdrawal symptoms. Quiting smoking was like a symbolic gesture of farewell to the life I used to lead..."

"Farewell to the life I used to lead." Que importa a distância cultural, temporal, espacial ? Ele escreveu o que eu sinto. E isso me fez sentir-me humano. Em comunhão com a humanidade, seria uma expressão mais completa.

Enfim, as pernas doíam e eu parei em uns 4 quilômetros. Subi caminhando a avenida que me levaria até em casa. Nos fones, Murakami narrava sua primeira maratona, entre Atenas e Marathon. Sim, o trajeto original, mas feito no sentido inverso. Contava de como, exausto ao final do percurso, recebeu flores de um grego em um posto de gasolina. O grego não o conhecia mas ao ouvir a sua história colheu uma ou outra flor de um vaso e lhe ofereceu.

Comovido como estava, deixei cair mais uma ou duas lágrimas. Repito, sentia-me humano. Plenamente parte desta raça capaz de gestos tão simples. Assim, absorto, quase não notei que, do ônibus parado em frente, me olhava uma senhora. Seu olhar estava um pouco assustado (um homem barbado, às seis e pouco da manhã, suado e chorando ao entrar em casa não deve ser assim uma visão muito comum), mas continha uma quantidade de ternura que me fez pensar que se alguém lhe contasse o que tenho vivido, ela seria capaz de colher uma ou outra flor e me oferecer. Nesse momento, a angústia finalmente foi embora.

.

3 comentários:

Marina disse...

Cada vez mais eu vejo que cara de pau não tem limites... Como é que você tem coragem de falar de mim e escreve assim!?

PQP, era o que eu tinha pra dizer sobre o que acabei de ler :)

Se o que o inspirou foi a corrida, nunca mais ouse parar de correr.
Se foi o japonês, mantenha o livro sempre ao lado dos do Chico.
Se foi simplesmente sentir-se humano e vulnerável, continue lendo poesia, ouvindo música e gostando da palavra escrita.
Pelo amor de deus, escreva!

Beijo grande!

A. disse...

Você é generosa. Muito. De toda maneira, pra um diletante sem leitores como eu, escutar elogios de alguém que escreve como você me enche de orgulho. Um orgulho meio bobo e sem sentido, pois sei que a amizade faz com que v. olhe o texto com outros olhos, mas que importa ? Afinal, a gente recebe flores de amigos também, e elas são tão ou mais cheirosas que aquelas que a gente recebe de desconhecidos no meio da rua.

Marina disse...

Sou nada. Viro a beira do egoismo como todo mundo.
E sim, a amizade me influencia. Não sei ser muito impessoal. Mas isso também não quer dizer muita coisa, não se apegue a esta questão.

Não sei explicar... Fiquei feliz quando li o texto. Talvez por me reconhecer nele, pode ser. Fico feliz quando as pessoas se emocionam. Dá pra entender?

De qualquer forma, todas as flores pra você! :)