26 setembro, 2009

Ao mestre com carinho


Quando bati pela primeira vez na sua porta, meus 23 anos me tornavam todo-poderoso. Tinha o mundo pela frente e ainda achava que tudo podia, ainda tinha aquele sentimento de que a vida é uma estrada sem fim, e que o expresso 2222 não partiria para o futuro enquanto eu não me decidisse a entrar.

Era um homem barbado. Uma barba branca e cheia que ele acariciava de maneira displicente. Ainda que sentado se notava um corpo esguio e elegante. Parou imediatamente o que estava fazendo e com um sorriso de curiosidade - que se percebia apenas no olhar - me indicou uma cadeira. Provavelmente a primeira coisa que me disse foi pedir que lhe chamasse de você, e não de senhor. E passou a escutar, coisa que faz tão bem, as histórias do moleque recém-chegado de um intercâmbio, que iria se formar em poucos meses e que queria mudar de área de pesquisa e entrar no mestrado.

Creio que tentou me dissuadir. Já naquela época ele tinha a idéia de que ia se aposentar em breve (até os mestres se enganam, ou tentam se enganar). Mas eu não ia deixar o expresso partir sem mim e aqueles poucos segundos de contato foram suficientes para que eu decidisse que estava ali o guia que eu queria. Intuição que mudou minha vida e que, naquele momento, fez-me sacar todas as armas que tinha: eu seria aceito por ele. Usei de tudo: das notas, à iniciação científica, ao ano na França, ao estilo musical preferido, ao gosto pelo futebol... mas o golpe de misericórdia foi me revelar padrinho de casamento de um grande amigo - um professor recém contratado que costumava tomar café com ele (e de quem eu sabia que ele gostava). Acho que aí ele percebeu que eu não iria desistir e arrefeceu: "Mas pô, além de referências acadêmicas você tem referências pessoais ?!". Naquele momento eu senti que tinha me tornado aluno do grande P.F. !

Quase dez anos se passaram. Ontem o mestre completou 60 anos e hoje estou eu sentado em minha sala na universidade a tocar minha barba (preta e nem tão cheia), enquanto lembro com carinho dos sonhos daquela época, separando os que me arrependi dos que realizei. Engraçado notar que quase todos se encaixam em um desses dois grupos.

Claro, outros sonhos, outros desejos, foram aparecendo no caminho, mas dessa época, quem sabe apenas um objetivo continue tão - ou mais - vivo. É nele, nessa meta que tracei há tanto tempo que penso hoje. E percebo que a frase que mentalmente me disse depois de uns minutos de conversa naquela primavera de 2000 continua verdadeira. Mais, continua sendo o que tem sido nesses últimos tantos anos: uma espécie de oráculo pessoal. Sempre que não sei bem o que fazer, que rumo tomar para a minha vida, penso naquele dia e me vejo, com 23 anos e uma voz ainda quase adolescente, me dizendo: "Eu quero ser como esse cara!".

Vida longa, Paulo.

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2 comentários:

Unknown disse...

....quase pude ver o professor erguendo a taça de volta pra ti e dizendo "pra todos nós".

A. disse...

:-) Seria bem a cara do PF, Gisa!